Mãe. Inquieta. Lésbica. Foda-se. ▶ #Herstorytelling

Carta aberta à Marjorie Rodrigues

Ou

Por um feminismo que ouça as vítimas de pedofilia

Marjorie,

Para começar este texto, devo antes dizer que não sou feminista. Não mais. Porque o feminismo não está preocupado em ouvir vítimas de pedofilia, nem lésbicas e nem mães, e eu sou essas três coisas. E antes de começar a minha argumentação, também devo deixar nítido que esta carta não pretende ser um “racha” a você, mas um convite ao diálogo respeitoso e honesto. Um dos primeiros textos que eu li e amei sobre feminismo foi seu. Aquele sobre homens enfiarem a rosa no cu no dia 8 de março, que até hoje roda a internet e deve continuar rodando, porque é bom demais. Digo isso para que você não leve essa crítica como um desejo de aniquilar a sua existência como escritora, porque não é. Pelo contrário, eu acho que mulheres devem escrever sempre e sempre, ainda que eu não concorde com o que elas escrevam. Escrever é um ato político. Você tem talento e desejo que continue escrevendo.

Eu, por exemplo, escrevo sobre pedofilia, sobre maternidade e lesbianidade, pois são temas que fazem parte do meu repertório, da minha bagagem, da minha luta diária. Não vou entrar no mérito do relacionamento da Mallu. Até mesmo porque eu acho que usar uma mulher que é figura pública pra tentar fazer valer a minha opinião sobre um assunto tão delicado quanto este é desumanizá-la. Não compactuo com esta exposição que estão fazendo com a moça. Fico me imaginando no lugar dela e, sinceramente, não consigo imaginá-la se aproximando do feminismo após ver sua vida e sua intimidade exposta, pelo contrário: consigo imaginá-la criando uma raiva desse feminismo que usa de suas vivências – que não são de domínio público – para existir. Voltando: não vou entrar no mérito do relacionamento da Mallu. Vou retirá-la do debate, trocando “Mallu” por “vítima de pedofilia” e focar nos argumentos, pois eles me feriram como vítima de pedofilia que sou. Porque o que você disse sobre ela, era como se estivesse dizendo sobre mim – e sobre quem me abusou. Sinto ter essa liberdade para pedir sua atenção pois você mesma usou o argumento de que o feminismo precisa ouvir as “Mallus”, como metáfora para mulheres num geral, e cá estou eu, uma mulher que um dia foi uma menina vítima de pedofilia, pedindo para que você reveja alguns de seus posicionamentos. E é só isso o que eu desejo. Que você os reveja, e que continue escrevendo, pois o mundo precisa de mulheres que escrevem e o seu talento é enorme e não pode ser desperdiçado com posicionamentos que não levam em conta o que mulheres como eu têm a dizer.

Fiquei muito incomodada com o fato de você ter separado as feministas entre as iluminadas – que conseguem enxergar a opressão – e as que não conseguem enxergar sozinhas. Porque quando eu ainda me culpabilizava pelos abusos que eu havia sofrido, eu estava sim, cega, precisando não de salvação, mas de uma base que me desse a oportunidade de enxergar o que eu não conseguia enxergar por conta própria, pois eu fui ensinada a me culpar pelo que me ocorreu. Até mesmo quando eu consegui racionalmente compreender que eu não tinha culpa, a culpa ainda estava lá, latejando dentro do meu peito, me fazendo – sim!- ter a necessidade de que outras mulheres me emprestassem seus olhos, suas palavras e seus ombros para eu poder me desfazer do sentimento de que eu tinha de alguma maneira causado ou facilitado as coisas para os abusadores. Eu já estive no lugar da cega, mas estar cega não era culpa minha. De quem era a culpa? Dos que me cegaram. E quem me cegou não foram só os homens que abusaram de mim entre meus 7 e 13 anos (só pra falar de pedofilia porque teve mais depois que eu fiquei mais velha mas não vem ao caso agora), quem me cegou foi a sociedade que vira a cara e faz de conta que não enxerga o padrão pedófilo que os homens – sim, todos eles – cultuam. Ou você vai me dizer que a “preferência” dos homens por mulheres mais novas (que faz as mulheres se mutilarem em busca da juventude), a “preferência” dos homens por mulheres depiladas ou o “fetiche” que grande parte dos homens têm por colegiais não tem nada a ver com… pedofilia?

A sociedade vira a cara para a pedofilia, Marjorie, e este é um problema internacional, acontece no mundo todo. As feministas também. Quantas meninas de 13 ou 14 anos são engravidadas e obrigadas a gerar o filho sem ninguém ir atrás de quem as engravidou para interrogar e prender ? Por que aceitamos que um homem de 30 anos sinta-se atraído por uma de 15 sem dizer, opa, pera aí, tem algo de muito errado em um cara que 30 anos que deve ter, chutando, uma vida sexual ativa equivalente a idade da menina em que está interessado. O que os faz se interessarem por este tipo de garota? Amor ? Ah, Marjorie… não é para a menina que devemos apontar o dedo. Ninguém me parece querer tirar o direito de meninas de 15 anos à própria sexualidade. O que deve ser feito então? Parar de fazer de conta que não há problema nenhum em um cara de 30 interessado em uma garota de 15, 16, 17 anos. Porque é justamente esse faz de conta que pode ser amor que normaliza a pedofilia, que a romantiza, que a torna aceitável ou até mesmo desejável.

Assim como eu não era cega porque eu queria, eu não “me iluminei” do nada, como você menciona no seu texto, fazendo alusão às mulheres que posicionam-se radicalmente contra a normalização da pedofilia na sociedade. Não pise assim no meu processo de desculpabilização e de compreensão política do que fizeram com o meu corpo infantil de menina. Menina, criança, eu não era uma construção social, eu era um ser humano em processo de desenvolvimento psíquico e cognitivo sem ferramentas de defesa, com autonomia limitada. Principalmente a autonomia sexual, uma vez que as meninas são impedidas de tocar seus sexos, são ensinadas que menstruação é suja e deve ser escondida, enfim, são alienadas de suas sexualidades e obrigadas ao silêncio quando abusadas. Porque falar se sexualidade é sempre sujo, logo, falar de um abuso sexual é sujo também, então ficamos quietas. E enquanto ficamos quietas, eles agem. E quando eu digo eles, Marjorie, eu me refiro a homens. Muitos e poderosos, soltos, no meio de todas nós, e pior: usando de diversas ferramentas – como posição política, por exemplo – para continuarem abusando de meninas (e inclusive as drogando e prostituindo) e saindo impunes (sendo absolvidos porque, oras, as meninas eram prostitutas, elas usaram de suas autonomias para serem estupradas). Homens que colocam em risco todas as meninas do mundo. E essas meninas não precisam ser salvas por ninguém. Mas precisam ser ouvidas.

Como, quando, onde?

Espero que você considere “com empatia”, “agora” e “aqui” uma boa resposta para esta pergunta.

Talvez o que está por trás dessa cegueira coletiva que eu tenho visto dentro do movimento feminista em relação à pedofilia vem do fato de não darmos, individualmente, a devida importância aos casos de abuso que aconteceram conosco mesmas quando éramos crianças. Porque a maioria de nós sofreu abuso. Fiz uma pesquisa no meu blog recentemente e 33% das mulheres que responderam afirmaram que sofreram abusos sexuais quando crianças. Ninguém nos ouviu, Marjorie, quando mais precisamos, quando éramos (ou nos sentíamos, de tanto nos culpabilizarmos) pequenas e indefesas – ou cegas, como preferir chamar – e agora que estamos levantando nossas vozes, que saímos da posição de vítimas – ou iluminadas, como preferir chamar –  e lutamos usando nossas vivências como base, somos praticamente chamadas de feminazis. Dentro do movimento feminista. Não era mascu que chamava a gente assim?

E eu me pergunto, todos os dias: o que tem travado este e tantos outros diálogos tão importante para as mulheres?

Você saberia me responder, Marjorie?

27 Respostas para “Carta aberta à Marjorie Rodrigues”

  1. Sharon Caleffi

    aquele misto de sensações com um texto muito bom que jamais deveria ter sido escrito…

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  2. miateixeira

    Como lidar com essa sensação devastadora de estar acordando, reconhecendo que não fui responsável pelo abuso que sofri quando criança e menina, continuamente, mas que ainda permanece latente dentro de mim, como se fosse um vício, um erro, uma doença que teima em me abater como uma corrente me prendendo a esse sentimento de culpa, de menos-valia, um algo terrível que não consigo deixar pra trás?

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    • milfwtf

      Mia, gostaria de dizer a você que existe um meio não dolorido de de atravessar esse mar morto dentro da gente, mas infelizmente não existe. Às vezes ainda tenho de lidar com a sensação de erro e o pior de tudo é que quando a sensação vem eu não consigo ser racional porque ela invade tudo e eu me sinto um lixo, uma coisa, um nada, vontade de não existir (não é de morrer mas de nunca ter nascido). Depois que a sensação passa eu consigo olhar para trás e me perguntar como que eu não enxergava de onde ela estava vindo (da culpa que virou vício). Cada vez que eu leio textos como os da Marjorie que foca no poder de escolha das mulheres e não na violência dos homens essa merda de culpa me invade de novo: se eu tinha e tenho autonomia, como pude permitir que tanta coisa me acontecesse? É como se o mundo tentasse fazer com que a minha mente voltasse a pensar como eu pensava antes de entender o que se passou comigo. Onde estava a minha autonomia durante todo esse tempo, senão corroída por uma prisão mental que me fazia proteger os agressores de mim mesma, da minha raiva, e internalizando um ódio que deveria sair do meu corpo em forma de resposta e luta contra a opressão (que é o que eu faço hoje)? Eu acho que é isso mesmo, de certo modo, sabe? O mundo não quer a nossa resposta à altura e quando começamos a responder ele diminui a nossa voz, de forma escrachada ou sutil, existem várias ferramentas para calar as mulheres e a principal dela é a culpa que aprendemos a sentir ainda tão meninas… quando ainda nem havíamos aprendido o conceito e a prática da autonomia. Discutir a autonomia das mulheres em vez do poder e do padrão de atuação dos homens pira a minha cabeça e eu tenho de ser muito forte pra manter a racionalidade e não me entregar à culpa novamente. O que muito me intriga é o fato de feministas estarem reproduzindo discursos masculinistas, reproduzindo discursos que são potencialmente destruidores de mulheres que estão em processo de empoderamento pelos abusos que sofreram ainda meninas. Tá aí, pra mim, o maior motivo pra eu não mais me dizer feminista. Porque já tem mais de um ano que tento falar sobre isso no movimento e fui por diversas vezes chamada de vitimista, o que poderia ter sido fatal pra mim, poderia ter realmente me causado um retrocesso, me feito desistir. Espero que ninguém te faça desistir. Lembre-se de que não está só e, se precisar conversar, estou aqui. Beijo grande e um abraço bem forte.

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  3. Karen Philadelpho

    Como sempre, seus textos falam por muitas de nós! Obrigada por dialogar com as pessoas quando algumas de nós só quer enfiar a cabeça na terra e não sair mais.

    Há braços!

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  4. *Isabel

    TW –

    Tenho 23 anos, e tenho um pesadelo recorrente. Uma perseguição, algo atrás de mim, quase me alcançando, e eu tentando encontrar um esconderijo seguro. E quando eu não acordo cansada, acordo sufocada porque estava prendendo a respiração para não ser ouvida. Esse pesadelo já foi realidade quando eu tinha 8 anos. Um primo do meu padrasto fingia que estava brincando comigo, mas ele não estava. Sempre que ele tinha oportunidade, pegava a minha mão colocava em seu pênis e se masturbava. Eu não queria aquilo, tinha medo de contar, e ninguém acreditar em mim. Uma vez cheguei da escola e fui direto para o quintal pegar jambo, e ele estava na dispensa, ele me agarrou e me puxou para dentro fechando a porta. Eu esperneava, tentando me soltar, e por obra divina uma senhora conhecida da minha mãe entro na casa achando que minha mãe estava na cozinha, ele então se assustou e me soltou, e eu saí correndo. Ele nunca conseguiu me estuprar porque eu me escondia, me trancava no banheiro e só saía quando ele fosse embora. E foi assim até eu completar 12 anos, e minha mãe se separar do meu padrasto. Eu tinha vergonha, medo e culpa. Ainda hoje eu flexiono a mão com asco como se estivesse ali, no tato. Com 14 anos eu comecei a namorar um “rapaz de 32”, que sempre dizia que eu era muito inteligente para a minha idade, sempre fazendo questão de elogiar minha maturidade e eu me sentia bem, ele sabia da minha baixa auto-estima. então para eu me soltar mais ele me apresentou as drogas. Não lembro como foi minha primeira vez, sei que foi com ele. E ele me fez acreditar que tinha sido especial, que eu havia gostado. Pouco tempo depois ele terminou comigo, sem me avisar, apenas apareceu com outra em minha frente. Eu me tornei seu sexo casual, ele me dava comprimido, pó , balinha o que estivesse disponível, e eu achava que agradando ele, nós poderíamos voltar a namorar. Depois comecei a namorar outro cara mais velho, já estava com 16 anos e o corpo de uma menina de 13 anos magra e sem seios. Esse não me drogava, usava o meu relacionamento anterior, para me humilhar, me diminuir. Dizia que eu era uma puta drogada antes dele, e que se ele me deixasse ninguém ia me querer, todo mundo achava lindo a forma como ele me tratava: ‘ bebê’. Me pediu em noivado, queria me engravidar a todo custo, transava comigo a hora que queria, como queria e onde queria. As pessoas diziam que ele era meu príncipe encantado. Ele controlava a minha vida, com quem eu falava, tudo. Uma vez fiquei com raiva, viajei para outra cidade e nessa cidade fiquei com um garoto da minha idade. Ele descobriu, me bateu, me trancou em seu apartamento apenas com uma camisa no corpo. Durante uma semana,ameaçou me matar, transou comigo e se declarou varias vezes, disse que marcaríamos o casamento no mês seguinte. Na primeira oportunidade que tive, falei que ia visitar minha mãe que morava em outro estado para avisar do casório e nunca mais voltei. Ler o primeiro texto me deu asco, o feminismo do primeiro texto ele me exclui, me culpa e romantiza os meus traumas. Além de expor a cantora em questão. Eu agradeço de todo coração pelo o seu texto,e reitero a culpa não foi nossa minha e não foi romântico!

    Isabela*

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    • milfwtf

      Que relato, moça.
      Obrigada por compartilhá-lo aqui, é muito importante que comecemos a ser mais fortes do que o mau-estar, que comecemos a falar sobre isso. Quando eu comecei a falar eu passava mal depois de escrever, principalmente porque depois de escrever, para o meu espanto, eu não recebia apoio e sim críticas e mais críticas sobre a “generalização”, como se a generalização não fosse necessária num cenário em que a pedofilia é generalizada, em que 90% dos pedófilos que são levados a julgamento são absolvidos e continuam abusando de outras crianças porque cidadão abusador é protegido por pessoas de dentro do sistema jurídico que abusam também, e a sociedade inteira está com eles. Que a sua voz e a minha se tornem cada vez mais fortes, que a gente possa se encontrar, ecoar umas nas outras, que possamos nos fortalecer e com o nosso fortalecimento empoderar mais e mais mulheres até que todas tenhamos mais visibilidade. O silêncio ao qual fomos obrigadas é o nosso principal obstáculo, obrigada por quebrá-lo.

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      • Isabela

        Desde que foi publicado aquele texto, eu não tenho pensado em outra coisa. Me colocando em dúvida; será que eu poderia ter evitado? Me perturbou bastante, as discussões que ele gerou entre as “apoiadoras”. Mulheres adultas, que nunca foram abusadas, que vivem em relacionamento com diferenças de idade, defendendo fervorosamente esse tipo de relação do texto. Eu li tanta merda vindo de quem apoia, que estou angustiada, revoltada mesmo! O seu texto me ajudou a quebrá-lo. Obrigada mesmo!

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  5. RL

    Li o texto da Marjorie e concordo com algumas coisas. Li o seu texto e também concordo. Concordo com você principalmente quando coloca o seu ponto de vista a partir de situações que você viveu. Ao relatar sua (triste) experiencia quando criança/adolescente, isso gera em mim uma empatia enorme. Consigo me colocar no seu lugar mesmo sem nunca ter passado por isso. Muito felizmente, eu faço parte da minoria que NUNCA foi abusada sexualmente. Tive sorte sim. Mas esse fato não me torna alheia ao sentimento de quem viveu. Entendo sua “preocupação” em olharmos um relacionamento de uma garota de 15 anos com um cara de 30 como algo normal, principalmente porque pela sua experiência, isso jamais foi normal pra você. Entendo que temos que dar voz as garotas que se sentem culpadas por terem passado por essa situação, temos que ouvi-las e dar a elas argumentos para criarem seus próprios repertórios de defesa. Ora, mas não foi justamente isso que a Marjorie propôs? Ninguém está dizendo que temos que fechar os olhos, só acho que não podemos generalizar e muito menos subestimar as pessoas. Existem relacionamentos abusivos com qualquer diferença de idade. Mas não acho que em 100% dos casos uma garota de 15 anos é ingenua e indefesa e nem que um cara de 30 está se aproveitando dela. Pode sim existir amor, respeito e zelo. O que não podemos é olhar de fora e apontar o dedo pra um relacionamento e dizer que ele está errado porque isso sim é agir de forma abusiva, é querer impor aos outros questões pessoais, é querer gerar na pessoas o mesmo sentimento de culpa equivocado. No seu caso, você se sentia a culpada pelo abuso, não a vitima. No outro caso, a pessoa vai se sentir culpada por amar alguém de 30 ou o cara por amar alguém de 15. Podemos e devemos orientar, contar nossas experiências e racionalizar sobre as questões. O que não podemos é subestimar a inteligência das pessoas e dividir todo mundo em dois sacos separados: o dos abusados e o dos abusadores.

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    • milfwtf

      “Ora, mas não foi justamente isso que a Marjorie propôs?”

      Não. A Marjorie PISOTEOU nas vítimas de pedofilia que se empoderaram pra falar quando chamou as mulheres que “enxergam a opressão” ironicamente de “ilumidadas”. Ela prega tanto o não-binarismo mas pra malhar mulher binarismo pode? Sei…

      “Ninguém está dizendo que temos que fechar os olhos, só acho que não podemos generalizar e muito menos subestimar as pessoas.”

      Quando o assunto é pedofilia temos que generalizar sim. Porque é um problema generalizado. Eu sei do que eu estou falando, não só porque fui vítima (a empatia que eu tô pedindo nem é por mim porque no meu processo de empoderamento fui chamada de vitimista ao quebrar o silêncio), mas porque eu passei a pesquisar a realidade, especialmente a brasileira. O país mais pedófilo é o Brasil, sabia? O número um nos casos de exploração sexual infantil. Você por acaso leu os textos que linkei no post?

      “Existem relacionamentos abusivos com qualquer diferença de idade. Mas não acho que em 100% dos casos uma garota de 15 anos é ingenua e indefesa e nem que um cara de 30 está se aproveitando dela.”

      Em 100% dos casos uma garota de 15 anos é uma pessoa em fase de desenvolvimento cognitivo, sem plena capacidade de autonomia, principalmente autonomia sexual, como dito no texto, porque a gente aprende que não podemos dizer não, a gente aprende que não podemos tocar nossos corpos para nosso próprio prazer, não é muito difícil de entender que meninas são socializadas para não terem autonomia, principalmente sexual, que isso é um problema estrutural e que faz parte da cultura de estupro – sem essa corrosão da autonomia essa cultura não se sustentaria. Sério, você parece não ter lido, não, e a empatia que você disse ter não tá aparecendo aqui pra mim. Você deve sentir pena, não empatia, e eu sinceramente dispenso a sua pena. A pena coloca a vítima como eu inferior incapaz de analisar a própria condição sozinha. Empatia seria você reorganizar sua mentalidade pra deixar a análise da vítima chacoalhar a sua opinião, não tentar vir rebater a minha, que não é SÓ opinião, mas estudo e vivência.

      “Pode sim existir amor, respeito e zelo.”

      Amor. Um cara de 30 anos se aproxima de uma garota de 15 por amor EM QUE MUNDO? Eles se aproximam porque sabem o que estão fazendo muito bem. Que coisa horrível de se ler. Sabe o que isso significa? Que um relacionamento desse vai acontecer de boa do seu lado sem que você pressione o cara, que certamente não estará fazendo isso pela primeira e nem pela última vez.

      “O que não podemos é olhar de fora e apontar o dedo pra um relacionamento e dizer que ele está errado porque isso sim é agir de forma abusiva, é querer impor aos outros questões pessoais, é querer gerar na pessoas o mesmo sentimento de culpa equivocado.”

      Quem está olhando de fora e apontando o dedo? Quem sofreu abuso fui eu e não você, certo? Então eu tenho propriedade pra falar, porque eu conheço e reconheço um padrão que você insiste em afirmar que não existe e que não deve ser encarado como um padrão. Agora eu sou abusiva por falar que homem de 30 querer se relacionar com garota de 15 é pedófilo. Não estou acreditando, ABUSIVA SOU EU E NÃO O CARA. Seus argumentos são muito psicodélicos, invertem todos os papéis. Tudo isso pra defender o direito de homens mais velhos se relacionarem com garotas que acabaram de ganhar corpo? Querer impor aos outros QUESTÕES PESSOAIS? Meu bem, o pessoal é político, não sei se você já ouviu falar nisso. A pedofilia que aconteceu comigo é um padrão social e da mesma maneira que me atingiu atinge outras mulheres e eu entendo sobre esse padrão muito mais do que você, que tá aí dizendo que eu tô sendo abusiva por querer impor uma questão pessoal para… sei lá, pra quem, que poder eu tenho pra impor qualquer coisa a qualquer pessoa? Sou só uma blogueira. Quem está tentando impor a mim que a pedofilia não é um padrão (mesmo eu tenho sido abusada por 3 homens diferentes: amigo do pai que eu chamava de vô, perueiro escolar e primo da minha mãe) é a sociedade e você tá fazendo parte dela, eu, vítima, não tenho o menor poder de impor a minha análise pra ninguém, mas você sim, se alinhando com o que a sociedade que vira a cara pra pedofilia pensa, tem o poder de fazer vítimas de pedofilia enlouquecerem achando que a culpa foi delas, que era possível que aquele relacionamento abusivo era amor.

      “No seu caso, você se sentia a culpada pelo abuso, não a vitima. No outro caso, a pessoa vai se sentir culpada por amar alguém de 30 ou o cara por amar alguém de 15.”

      Lá no texto tá escrito que não é para culpabilizar meninas novas mas sim, é pra deixar machinho de 30 culpado sim, que é pra eles tomarem vergonha na cara e pararem com esse abuso. E não, não é só no MEU caso que a vítima se sente culpada pelo abuso, mais uma vez: EU CONHEÇO O PADRÃO. Dá uma lida nos outros comentários aqui pra ver os relatos.

      “Podemos e devemos orientar, contar nossas experiências e racionalizar sobre as questões. O que não podemos é subestimar a inteligência das pessoas e dividir todo mundo em dois sacos separados: o dos abusados e o dos abusadores.”

      Quem está subestimando a inteligência das vítimas aqui é você. Para as vítimas é extremamente necessário fazer essa separação que você, do alto da sua sorte de nunca ter sido abusada, julga não ser necessária. Sim, é preciso separar o mundo entre abusadores e abusadas SIM, aliás é preciso que abusadores comecem a ir pra cadeia, tá aí a separação que precisa ser feita, sistema prisional é binário, vai me dizer que não é necessário o punitivismo? Como se protegem meninas senão por esse binarismo que você critica? Porque quase ninguém é condenado por pedofilia nesse país. Novamente peço que leia os textos linkados no meu post pra se informar sobre a realidade da pedofilia no país onde você vive. Aqui o governo protege pedófilo, absolve juiz pedófilo e como “punição” em vez de mandá-lo pra cadeia o manda para a APOSENTADORIA. Para que pedófilos comecem a ir pra cadeia deve haver uma mudança na mentalidade das pessoas num.geral. É como estupradores que não vão pra cadeia por causa da cultura de estupro. Enquanto a mentalidade social não avançar e não parar de culpabilizar a vítima e começar isolar o agressor, vai continuar sendo difícil. Pedofilia a mesma coisa. E muito mais profunda e difícil de se mudar, porque feministas, que deveriam estar no front combatendo essa porra de mentalidade, se aliam aos discursos masculinistas e se colocam contra o que as vítimas vem produzondo de militância.

      Vocês deveriam ter vergonha.

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  6. Amanda

    Nas cidades que já morei, o que mais vi foi macho adulto só se apaixonar por meninas de 15 ou menos. Impressionante como essa paixão, esse amor só ocorre com uma faixa etária. Nos países que punem esse tipo de crime, é infinitamente menor o número de adultos que se “apaixonam” por crianças. E você não vê reclamarem dessa opressão contra os machinhos. Sabe por quê? Aqui pedofilia é naturalizada. e quem deveria combater, está passando pano para os omi. Está romantizando o trauma alheio.

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  7. Isadora

    Natacha, ó: você é foda. Obrigada por escrever esse texto. Parte meu coração que você e tantas outras tenham passado por isso. Obrigada por escrever e partir também uns conceitos naturalizados por essa sociedade pedófila. Obrigada.

    Acho incrível que num texto tão claro, de fácil compreensão e bem escrito como esse ainda existam comentários concordando com o outro, que me deu um asco tão grande com a questão de “autonomia em todas as situações” (só vi minha vó apanhando e estuprada por 30 anos) que meu estômago revirou por dias. Obrigada por não se calar, por responder, por lutar. Sei que não sou exatamente seu alvo (eu, mulher muito beneficiada que sou feliz em dizer que não sofri esse tipo de abuso) ao escrever sobre isso, mas quando você quebra esse vidro, vêm alguns estilhaços e desconstroem tudo o que naturalizaram em mim. E desconstruo, ajudo a desconstruir e, espero, ajudo alguém um dia. Obrigada.

    Se não for muito incômodo, você pode responder essa perguntar: por que em textos assim eu vejo tantas mulheres dizendo que o SEU relacionamento com diferença de idades não é abusivo, que elas tinham autonomia, que está tudo certo etc?

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  8. ft

    Obrigada pelo texto, obrigada pelas palavras. Escrever é um ato político, você bem o disse, e essa conscientização política traz um conforto que cê não imagina pra mil garotas que foram abusadas, como eu, como você.
    Estou em processo de desculpabilização, é a coisa mais difícil que já enfrentei, e todos os dias devo repetir a mim mesma que eu era uma criança e não tinha noção de nada.
    Mas PRECISAMOS do feminismo. Precisamos de vozes que falem por nós quando somos caladas, diminuídas, assediadas, mortas. Precisamos de representatividade, apoio, empatia.
    Precisamos umas das outras.
    O que não precisamos é de alguém dizendo que temos poder de escolha, ainda que mínimo. Não me lembro de ter poder de escolha. Aliás, eu não me lembro de saber o que era uma escolha.
    Obrigada pelas palavras. Avante, sempre =)

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  9. Carla Jaia

    Linda, preciso lhe escrever por dois motivos interligados:

    O primeiro é: a princípio o texto da Marjorie quase me convenceu, principalmente com o argumento de “ouvir” a Mallu. O segundo é: você me fez rever meus pontos. E estou contigo do início ao fim.

    Nunca sofri abuso direto, nunca fui estuprada, mas me lembro sim que recebia cantadas na rua desde os meus 11 ou 12 anos de idade (ou antes), por pare de adultos. Lembro-me também que eu sempre pareci mais nova e sempre me senti feia e, pasme, essas cantadas me lisonjeavam. Faziam-me me validar como atraente. Seria um passo, querida, para eu “consentir”. Não sei se tive sorte, não sei se cabe falar de sorte, mas o fato é que o a invasão dos homens sobre meu corpo na minha infância e a adolescência não ultrapassou as cantadas de rua.

    Conheço o que é a autoestima de uma adolescente bombardeada por exemplos de beleza da mídia. Conheço a vulnerabilidade da infância e da adolescência. Se nada disso aconteceu comigo, não quer dizer que não pudesse ter acontecido. Sempre pode. Então, não posso deixar de sentir empatia. Por você, por tantas meninas que passaram e passam por abusos tão graves – mesmo os tido como “consentidos”.

    Já fui comparada a Magno Malta e acusada de ter uma mentalidade burguesa por: 1. Criticar o movimento Free Polanski e dizer que ele é um estuprador. 2. Problematizar Lolita como uma história, sim, de abuso sexual, pedofilia e dominação e não de amor. Aparentemente isso não me faz libertária o suficiente para me alinhar a, eles sim, os “iluminados”. Porque sim, quem se crê iluminado são essas que acreditam ter atingido o auge da liberdade sexual e que não se espantam com mais nada. Que compreendem todas as “nuances do desejo”. Que saem desse campo “mesquinho-burguês-material” e transcendem, compreendendo a poesia do amor em qualquer situação. São eles que se creem iluminados, Nat. Não você. Não nós. Não quem analisa a vida materialmente e busca compreender a natureza das opressões.

    Obrigada por esse texto! E parabéns pela sua luta que é tão nossa.

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    • Heloisa

      Sou sobrevivente de abuso sexual por parte do meu genitor, dos 10 aos 14, minha mãe nunca fez nada, negligente e omissa. Até hoje me culpo. Uma vez ouvi falar de Lolita, umas gurias no meu terceirão estavam lendo e adorando. Aí recentemente fui ler uma resenha num site de recomendação de livros, e foi um gatilho tremendo. Voltou tudo. Um nojo, é como a Nat fala: não é vontade de morrer. É apenas de nunca ter existido. Já tentei me matar com comprimidos, não adiantou. O que eu queria era apagar tudo relacionado com o abuso da minha vida, não morrer. Os comentários da resenha sobre Lolita foram outro golpe, outro trauma. Nada mais natural… engraçado, eu sempre havia considerado pedofilia um assunto super obviamente terrível, algo que todos iriam obviamente abominar e vilificar, e compreender e ouvir as vítimas… quanta ingenuidade! Depois de anos me considerando feminista liberal eu conheci o feminismo radical e comecei a ver como eu era cega. É por isso que Lolita é um “clássico”. Assim como Game of Thrones é a série mais popular do momento. Não há diferença alguma entre cultura do estupro e cultura da pedofilia – a docilidade, a submissão, a vulnerabilidade, o jeito “atrapalhado”, brincalhao, a pele sem pêlo algum… tudo isso considerado necessário no ideal de beleza e comportamento das mulheres adultas; como fui tola.

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  10. f.m

    seu texto é ótimo, ótimo de uma forma que eu não sei explicar, estava precisando disso. há dias esse assunto tem tirado minhas noites.

    não encontro mais apoio em grupos feministas, isso me entristece… o caso da exposição da mallu me entristece. como podemos expor uma mulher dessa forma?só consigo imaginar como ela reagiu a tudo isso, como ela reagiu caso tenha se identificado com TUDO? é um choque. é devastador você se dar conta que é parte disso. (não sei se consegui expor de forma clara).

    eu tive dois relacionamentos abusivos dos quais nunca consegui falar com ninguém, nem em grupos, nem com psiquiatra, nem com meus pais(muito menos minha mãe, que já me “culpou”). nos dois casos eu tinha entre 15-16 anos. no primeiro caso era 5 anos mais velho e no segundo 10 anos mais velho.
    hoje tenho 21 anos (ainda nem cheguei na idade em que um deles tinha quando se “apaixonou” por mim. o que ainda tira minhas noites de sono. será que foi tudo falso, será criei tudo isso na minha cabeça?).
    as pessoas romantizam todo esse amor, são ditas frases do tipo “ele é mais maduro, sabe o que é melhor pra vc”. mas aí eu me questiono, com 15-16 anos a gente sabe o que está acontecendo ali? o que quer dizer quando um namorado fala para voce “não falar com tal amigo pois estará iludindo ele. e no fim das contas, VC é a vilã da historia”? ou quando eles pedem alguma foto que poderia ser um fetiche(não se trata de nudez) mas na época nem se passa pela sua cabeça para o que aquilo poderia ser usado(leia-se masturbação). ou seja, eu vejo uma garota de 15-16 anos que é SIM inocente e sem malicia alguma para entender o que um HOMEM(não um garoto, um menino) com seus 30 anos está fazendo e como ele pode te manipular e machucar.
    eu demorei muito tempo para entender o que é um relacionamento abusivo(essa lista que andam fazendo por ai é balela, é muito mais que isso), o que é ter sido vitima disso(não consigo falar em outras palavras). o perfil desses homens é sempre o mesmo. eles se mostram carinhosos, fazem tudo por vc, fazem vc acreditar que eles te amam e os OUTROS fazem vc acreditar nisso tambem( “um menino da sua idade não quer um relacionamento sério, mas um 10 anos mais velho quer”). e você cai nessa e quando vc cai é muito dificil sair e mais dificil ainda é confessar pra si mesma que caiu nessa armadilha.

    vi muitas meninas(sim, meninas, meninas de 15 anos) falando que namoram homens mais velhos e que com “elas é diferente, isso não acontece”. eu queria abraça-las.
    eu menti pra mim mesma por muito tempo, eu dizia “comigo foi diferente”, e digo mais, ate hoje ainda caio de vez em quando nessa de que comigo foi diferente, mas não foi.
    dificilmente você terá a malicia de entender e se defender de um cara de 30 anos. não importa se ele falar que “vc é diferente das outras, é madura” (alias, queria que esses homens me falassem. o que as tornam diferente? assistir um filme dos anos 80 te torna tão unica e especial assim? ler um livro desconhecido ou preferir ficar em casa do que ir a uma festa?isso te torna unica?)
    com 15 anos um homem me chamou para ir ao banheiro do meu prédio e eu entrei(não, não fiz sexo) e algumas coisas aconteceram. eu não tinha a malicia que ele possuia. alguns vão dizer “mas vc era idiota, vc sabia o que ele queria”. a minha resposta é NÃO, eu nao sabia. até o ultimo momento você não acredita que isso vai acontecer, você é consumida pelo MEDO. depois desse dia eu fiquei uma semana sem ir a escola, eu chorava todos os dias e “nao sabia o porque”, eu tinha nojo do meu corpo e me sentia diferente. este homem não me forçou a nada, ele não me puxou pelas mãos e me obrigou, não me amarrou e nem me ameaçou mas ele me coagiu. e isso é o mais dificil de ser compreendido pelas pessoas, como é você ser coagida por alguém. e isso doi, isso dói demais. “como me deixei levar por isso”, vejo muitos falando que isso não faria de mim uma vitima. mas se isso foi certo pq tantos anos depois ainda me faz chorar? pq não consigo falar sobre isso com alguem?

    depois disso tiveram outros momentos. são abusos psicologicos. “ninguém irá querer namorar uma menina depressiva igual a você”, “os meninos da sua idade são infantis”, “voce é infantil, é dificil aguentar isso, voce precisa mudar”( OBVIO que era infantil, eu tinha 16 anos)
    nunca mas NUNCA duvide do “poder” que um homem tem de te machucar, de fazer vc duvidar de si mesma e se culpar por muito mas muito tempo por coisas que não estavam a seu alcance. relacionamento com grandes diferenças de idade são extremamente perigosos, não me importa se fulana teve e deu certo, eu estou falando de um todo.
    eu vejo homens com seus 30, 35 anos manipulando meninas de 15-17 anos, que em muitos casos são inseguras, muitas vezes solitárias e muitas vezes com algum problema pessoal, o que torna MUITO mais facil pra eles. isso NAO é justo! não é normal, isso deve ser discutido. uma garota de 15 anos que não sai de casa nem pra ir a uma festa da escola nao tem maturidade pra lidar com alguem mais velho que ja vivenciou muitas coisas. isso precisa ser discutido.. eu não queria que mais pessoas sofressem da maneira que eu sofro hoje, que se calassem por medo.

    sofrer um abuso, perceber isso, ser sincero com vc mesmo e lidarcom isso é a parte difícil. essa deveria ser a pauta a ser discutida, não a exposição de uma artista da qual nem sabemos pelo o que está passando, ou será que acham que ela não leu todas as suposições sobre ela?isso deve doer muito.

    eu só queria que todas as meninas soubessem disso, eu queria que quando eu tinha 15 anos alguem me viesse falar “meu bem, isso não é amor. não é pq ele te mandou um presente e escreveu uma carta que ele te ama. ontem ele estava te falando coisas horriveis sobre vc mesma, ninguem pode falar assim com vc”.

    eu queria ter um pouco de voz no feminismo, queria poder contar diversos relatos, queria poder alertar algumas meninas sobre alguns assuntos mas eu me sinto sempre silenciada e isso me traz uma angustia pois eu queria poder ajudar algumas meninas para que elas nao sofressem da maneira que eu sofro hoje.

    isso não é amor, por mais que doa, por mais que te destrua por dentro é necessário ser sincera consigo mesma.

    desculpa pelo grande desabafo e obrigada pelo texto.

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    • Heloisa

      “este homem não me forçou a nada, ele não me puxou pelas mãos e me obrigou, não me amarrou e nem me ameaçou mas ele me coagiu. e isso é o mais dificil de ser compreendido pelas pessoas, como é você ser coagida por alguém. e isso doi, isso dói demais. ”
      “depois disso tiveram outros momentos. são abusos psicologicos. “ninguém irá querer namorar uma menina depressiva igual a você”, “os meninos da sua idade são infantis”, “voce é infantil, é dificil aguentar isso, voce precisa mudar””

      f.m.
      Obrigada pelo teu desabafo. Ler isso me ajuda, é tipo terapida de grupo online.
      Isso que fizeram contigo… não sei exatamente como, mas fui abusada sexualmente pelo meu pai dos 10 aos 14. Nunca foi violento, as pessoas parecem que não consideram nada demais se você não teve a vagina estraçalhada ou as mãos amarradas, ou etc. Foi o típico abuso sexual, apenas, uma guria sem família, mãe negligente largou o pato pra ele, “pai” ausente, nem registrado é, um canalha que ela confiou pra cuidar do seu bem menos precioso – EU (o bem mais precioso da minha mae é a paz e sossego, ou o fingimento). Quantas vezes eu pensei, eu devia ter sabido, eu devia ter feito algo… ele me tratava como uma prostituta, comentava os corpos de outras mulheres na minha frente e na frente da minha mae, e ela nem merda. Não morava comigo, e a minha mae era-é omissa e levemente autista/esquizofrênica, mal pode com ela mesma. Não duvido que foi escolhida como alvo pelo predador pedófilo do meu genitor pq seria facilmente manipulada. E eu também, se não fosse o tipo adolescente rebelde. Voce com 15 tmb nao tinha autonomia pra saber, pra prever, pra esperar o pior… Nao é tua culpa. Nunca. Eu sei, a gente sempre se acha mais esperta do que era…. na época, não tínhamos noção do que aquelas “escolhas” iriam fazer com a gente… não é justo, nao é certo.

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      • milfwtf

        Heloisa,

        está sendo tudo muito difícil pra mim. Estou afim de largar toda a minha militância. Na verdade eu já desativei meu facebook porque eu não aguento mais ver pedofilia sendo relativizada e nem sendo tratada como um transtorno mental porque isso inverte toda a lógica do abuso. De repente os pedófilos que abusaram de mim eram somente desajustados, anormais, coitadinhos. Ontem passei o dia escrevendo um dossiê sobre pedofilia que eu jurei pra mim mesma que seria o último material que eu produziria sobre o assunto. Primeiro porque para escrever sobre isso eu tenho que atravessar a náusea e a dor das lembranças, me desprender delas como se aquilo não tivesse sido comigo, como se eu estivesse apenas lutando por outras mulheres e pronto. Segundo porque quando eu estou distraída olhando minha timeline no facebook de repente pula uma discussão a respeito que me dá vontade de nunca ter existido. Essa semana tive de ler uma feminista RADICAL dizendo que ela não era menos feminista por gostar de Woody Allien mesmo ele tendo abusado de sua própria (acho que) enteada. Vi uns prints de uma famosa trans dizendo que se preocupava com ressocialização de pedófilos e de homens que cometem violência doméstica, como se não vivêssemos no país campeão de pedofilia, 76% dos pedófilos do mundo estão aqui, e uma vez eu li – procurei muito pela fonte ontem porém não achei – que 90% das queixas que abuso sexual infantil não viram inquérito e uma parte ínfima dos 10% que vira acaba em condenação. Ou seja: tem muito pedófilo solto por aí e essa trans se acha muito revolucionária gritando pelos quatro ventos que se preocupa com ressocialização de pedófilo. Também li discursos de um pedófilo assumido relatando “””””””””””””sua dor””””””””””””” de “”””””ter nascido””””””” com interesse sexual em crianças, como se isso fosse um sofrimento pra ele, como se esse relato dele – e todo o seu blog – não tivesse sido criado com base em associações que ensinam pedófilos a “sair do armário” e virar o jogo se fazendo de vítimas. A Nambla, associação de “”””””””homens que amam meninos”””””””” tem um manual pra isso, pra pedófilos saírem do armário. E as pessoas acreditam que eles são vítimas enquanto que eu, lendo, só sinto ódio, vontade de comprar uma arma e atirar no meio da testa do maluco e ficar ali, observando o sangue escorrendo, os olhos esbugalhados perdendo vida, imaginando quantas inocências eu pude resguardar das mãos daquele cretino. Mas eu não tenho poder nenhum, nem ouvida sou.

        Cada mulher que foi vítima de abuso na infância que chega até mim e como eu deixa a náusea e a dor de lado pra atravessar o desespero que dá falar sobre isso consegue me trazer à superfície e me fazer respirar num mar de toxidade que virou essa coisa chamada militância feminista. Muito obrigada por enfrentar seus fantasmas e registrar aqui suas percepções, suas dores e o seu apoio a mim.

        Você não tem ideia de como me ajudou a viver hoje.

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  11. João Pedro

    Li o primeiro texto da Marjorie e por sorte muito grande uma amiga postou essa resposta. Seu texto me livrou de uma grande ignorância… O que você faz com esses textos e com sua militância é muito importante e essencial para algumas vidas, não pare! Muito agradecido.

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