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Pela despatologização das crianças insubmissas ao gênero imposto

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Meu filho, 2 anos, dando banho e alimentando sua boneca de brinquedo. O que isso tem a ver com seu gênero ou sua sexualidade? NADA.

 

Afirmar que uma criança que brinca com brinquedos feitos para crianças do outro sexo quer ter o outro sexo é violentar esta criança. Crianças são apenas crianças experimentando o mundo ao redor, os preconceitos quanto a sexualidade e estereótipos de gênero estão na cabeça dos adultos. Se uma criança do sexo masculino cresce podendo brincar de bonecas e usar vestidos se assim quiser, isso não significa que essa criança tem tendências homossexuais, ou que queira ser uma menina. Significa que ela rejeita os signos referentes ao gênero impostos aos seres humanos desde o nascimento. Significa que há algo de muito errado não com a criança, com seu corpo, mas com a forma que os signos impõem seus sentidos aos corpos humanos desde a mais tenra idade. É uma pena que para a rebeldia de certas crianças ao gênero imposto, haja a patologização. Patologizar é a forma mais simples de acabar com o problema, não da criança, pois para ela não há problema algum,  mas de sua família, da escola, da vizinhança, que não aguenta ver inconformidade de gênero, não suporta ver uma criança – que deve obediência, que precisa ser corrigida – se rebelando contra regras tão rígidas quanto as regras do gênero. É uma forma de controle que serve ao patriarcado. Afinal, se a raiz do problema fosse questionada, chegaríamos à resposta: não, a criança não está doente. A sociedade é que deseja adoecê-la para não encarar a verdade sobre gênero, sobre poder. A saúde mental das crianças é irrelevante diante da necessidade de perpetuar o status quo, a hierarquia do gênero, baseada nos sexos. A despatologizacão da sociedade depende de um olhar profundo sobre o patriarcado, o motivo de sua existência e suas estratégias de guerra.

A criança é rebelde por natureza. Por natureza mesmo: ela não compreende a complexidade das regras sociais. Um menino que quer usar vestido não compreende por que o pai, os primos e os coleguinhas da escola o chamam de menininha, mas ele logo entende que menininha é ofensa, e não somente o diminutivo para o substantivo referente ao antônimo de seu gênero. E aí ele tem dois caminhos: o de se submeter à pressão e aprender a rejeitar tudo o que é “de menina” para ser menino, ou o de querer ser visto como uma menina para poder performar as brincadeiras preferidas, afinal para as crianças brincadeira é coisa séria e impedi-las de brincar com bullying pode gerar traumas irreversíveis. Quem se importa, não é mesmo? Ninguém está preparado para lidar com insubmissão das crianças diante dos comportamentos que elas são obrigadas a apresentar conforme o sexo que nasceram. A Academia forma profissionais que reproduzem estereótipos de gênero, psiquiatras que atenderão pais e mães desesperados em seus consultórios porque as crianças querem “brincar com os brinquedos errados” ou “vestir as roupas erradas”. E os psiquiatras vão fazer uma série de perguntas e vão constatar: puxa, e não é que realmente seu menino tem transtorno de identidade de gênero, ele só gosta de brincar de boneca, de casinha, e de usar vestidos e roupas cor-de-rosa. Aconselho então que deem a ele um outro nome e que passem a afirmar que ele é uma menina, assim ele se sentirá mais confortável. E assim, pelo desconforto social de se ter um filho que não sabe que feminilidade quer dizer submissão e inferioridade, pelo desconforto dos pais, da escola, da sociedade em geral de ver um menino crescer rejeitando performar a masculinidade, a criança é reformada para parar de incomodar quem para ela olha.

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